O processo produtivo do vinho envolve dois fatores principais; o primeiro é o Terroir, que são as condições naturais de plantio da uva; como as condições climáticas da região, os tipos de solo e a cultura local. Como bem escreveu Jorge Tonietto, em texto publicado no Jornal Bon Vivant de 15/05/2007, “Se eu não tivesse morado na França, escrever sobre terroir seria certamente mais fácil: eu teria menor consciência da complexidade do termo”. Ou seja, tudo, mas tudo mesmo, que envolve as condições naturais onde se encontram as parreiras, estão associadas ao Terroir. E na maioria dos casos estas condições são inerentes a ação do homem. O outro fator é a Vinificação, que nada mais é que a transformação da uva em vinho. Parece simples, mas a ação do enólogo é fundamental, pois é ele quem decide que tipos de uva serão utilizadas, como será o corte do vinho, quanto tempo ficará nos barris de carvalho, e se vão ficar, dentre outras importantes decisões. Assim, podemos ver que o líquido dentro das garrafas de vinho é reflexo de ações da natureza e das decisões do homem. Terroir x Vinificação.

Porém, antagonicamente, o vinho é bem mais complexo do que sua constituição física. Sua qualidade não é medida apenas pelo que está inserido na garrafa, mas é muito mais influenciada pelo que está em volta dela.

Lembro, que um pouco antes de minha esposa completar 30 anos, há muito pouco tempo portanto (ganho aqui alguns pontos em casa…), fizemos uma viagem maravilhosa por Portugal, visitando restaurantes, vinícolas, hotéis e pontos turísticos marcantes, como a serra da estrela, Óbidos, Évora, entre tantos outros locais especiais. Em um de nossos jantares, estávamos no Restaurante do Hotel Quinta das Lágrimas, em Coimbra, quando acompanhado de um cordeiro assado, tomamos um vinho indicado pelo sommelier da casa. Depois do jantar o proprietário nos levou para conhecer o seu hotel e mostrar as reformas que estava fazendo. O local era realmente mágico. Depois deste jantar, minha esposa disse: “gostaria de levar este vinho para tomar no meu próximo aniversario”.

Na época concordei com ela, mas fiquei estranhamente desconfiado. No dia de seu aniversario, estávamos com diversos amigos em nosso apartamento, e no meio da noite fui à adega e peguei uma das garrafas que tinha trazido para tomar nesta data tão especial. A decepção foi enorme, um pouco de minha parte, mas principalmente da parte dela, que tinha a verdadeira impressão de estar tomando outro vinho! Desde então, passei a levar em consideração estes fatores “extra-campo”, quando lembro dos vinhos degustados.

Inclusive, em degustações profissionais de vinho, as condições externas devem ser exatamente iguais para todos os vinhos, nem os rótulos devem ser visualizados, para não influenciar na avaliação dos jurados. Isso é a prova de que até os maiores profissionais do ramo, mesmo que de forma implícita, também levam os fatores externos em consideração. Agora as regras tradicionais também são importantes, muitos podem achar “frescura”, mas ações como meter o nariz dentro da taça, girar o copo e “bochechar” o vinho antes de engolir são fundamentais para conseguir uma análise de todas as qualidades do vinho. Só não aconselho, este metier num primeiro encontro com sua nova namorada…!!!

Fica combinado então, que todas as características orgânicas do vinho são fundamentais, ou seja, todo seu processo produtivo envolvendo os fatores da natureza e a vinificação são imprescindíveis para elaboração de um bom vinho. Nenhum vinho medíocre vai se transformar num grande vinho, se você estiver tomando num momento especial. Mas posso assegurar, que vinhos degustados com pessoas queridas, na temperatura certa, em ambientes alegres, são alçados a patamares de qualidade, que elevam, e muito, a impressão sobre o mesmo. Uma das frases mais verdadeiras que escutei/li nos últimos anos, foi em um filme chamado Na Natureza Selvagem (Into the Wild), quando o personagem principal ao final do filme, depois de 2 anos longe de sua família e da civilização, escreve em seu diário “A felicidade só é real, quando compartilhada”.

Então, hoje à noite, coloque uma boa música na vitrola, convide seus amigos, vá até sua adega e abra aquela garrafa que você estava guardando para tomar sozinho. Você vai tomar um pouco menos do seu vinho, mas garanto que ele terá um sabor bem mais especial!!!

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